sexta-feira, junho 16

Sinuca de Bico

Continuação de Encontro

Ana ia no carro, de carona. Mas seu pensamento voava ... Ela olhava para fora, pensando na vida, nas coisas que estavam acontecendo e de como ela deveria estar ficando louca ao aceitar as coisas que a vida lhe teimava fazer acontecer.

Dentro de seus devaneios, ela ouvia uma voz sufocada chamando por ela. Sabia que havia alguém chamando-a, mas não sabia quem. Foi quando ela sentiu um tapa na perna. Ao despertar para a realidade que a circundava, ela se deu conta de que era sua amiga, Michele, que dirigia e falava com ela:

- Ei, onde você está amiga?
- Hã? Ah ... desculpe. Estava longe longe ...

Um sorriso amarelo se esboçou no canto esquerdo da boca de Michele, que balançou a cabeça em sinal de reprovação. Ela já conhecia a amiga há muitos anos para saber que isso era problema.

- Que foi? Até parece que é você quem vai casar. Relaxa! Você não vai casar. E, depois, é apenas uma festa de despedida de solteira para a Sandra. Nada demais.
- É ... eu sei ... - E seu pensamento mais uma vez voou pela estrada.

O que a preocupava, na verdade, era a nova responsabilidade que ela assumira alguns meses antes.

Sentindo que necessitava de uma guinada em sua vida, ela decidiu que, já que não tinha marido, ou quase, ela mesma iria iniciar uma família. Seu casamento com Roberto não havia dado certo. Ela sempre havia pedido uma criança, mas a teimosia irracional dele não havia deixado isso acontecer. Hoje, ela agradecia.

Talvez uma ligação tão forte e, por que não dizer, definitiva com Roberto não fosse o melhor para ela no momento. Mesmo assim, ela sabia de sua necessidade de ser mãe, ainda que mãe solteira. Mais ainda, sabia de uma necessidade maior ainda.

Decidida que estava, ela havia procurado algumas instituições para adoção de crianças. Não obteve muito sucesso. De inicio, ela queria uma criança recém nascida ou com, no máximo, 1 ano de idade.

Só que a burocracia atrapalharia tanto que quando ela conseguisse a guarda talvez a "criança" já estivesse com 18 anos.

Mesmo assim, ela estava determinada. Michele tentou tirar essa idéia da cabeça de sua amiga inúmeras vezes, mas Ana não deu ouvidos. Ainda assim, ajudou-a a conseguir alguns meios mais rápidos para a adoção, já que Michele era advogada.

No último orfanato em que ela foi, ela se encantou com uma menina. Ela tinha os cabelos ruivos, era sardentinha, tinha a estatura certa para a idade e parecia a criança perfeita para Ana. Além disso, ela era linda. Talvez seja crueldade, mas os pais adotivos sempre procuram crianças bonitas. Ana não tinha essa concepção. Ela queria qualquer criança para ser seu filho ou filha. Independente de ser negra, amarela, verde, azul ou roxa! Mas, quando viu Laura, ela se encantou. E ela soube desde o início.

"É ela!"

Na primeira vez em que viu Laura, ela estava num vestidinho desses de criança. Seus cabelos estavam bem penteados e ela usava duas trancinhas. A assistente social sempre dava alguns minutos para que os adultos conversassem com as crianças. Laura, assim que viu Ana, pareceu também se hipnotizar por aquela que viria a ser sua mãe.

Meses se passaram até que a justiça concedesse a guarda para Ana. Provisória, já que a mesma justiça exigia que Ana tivesse residência e trabalho fixo, além de marido. "Que absurdo!", sempre pensava ela ao lembrar dessa pequena "cláusula contratual" que talvez fosse o único impeditivo dela poder estar com a pequena Laura.

E esse era justamente o único e enorme problema. Ela estava ainda, legalmente, casada com Roberto. Ele não havia assinado os papeis da separação e consequentemente o divórcio ainda não havia sido completamente concretizado. Ela ainda se lembra da última vez em que o viu, no Fórum, na presença dos advogados de ambos, para tentar uma separação amigável.

Roberto parecia irredutível na idéia de separação. Mas Ana não queria mais a companhia daquele que por 3 anos pareceu mais um fantasma que um marido. Motivada pela relutância de Roberto em assinar o papel do divórcio, ela iniciara uma separação litigiosa.

A primeira instância havia dado ganho de causa para Ana. A separação dos bens havia sido feita e Ana havia recebido uma vultosa soma, que daria para custear vários anos de vida caso ela não quisesse mais trabalhar. "A primeira etapa está concluída.", pensou ela ao dar por encerrada essa primeira fase do litígio.

No entanto, a segunda e última fase só seria dada depois de dois anos de separação formal. A justiça exigia isso, para um caso de uma recaída entre ambos. Certamente Roberto esperava que isso acontecesse. Ana, não.

E agora, a menos de 2 semanas para o julgamento do divórcio, tudo que ela menos precisava era que seu divórcio saísse, por conta de Laura. Se saísse, ela teria de abdicar da única felicidade que ela teve nos últimos 3 anos, que era sua filha. Caso o divórcio não saísse, teria de ficar junto de Roberto. Isso porque o Assistente Social requer a presença constante de ambos os pais para a formação sadia de uma criança. Dai o fato de se requerer um marido na equação.

Ana achava isso um absurdo, já que ela era filha de mãe viúva. E sua mãe nunca precisara de um pai para que pudesse ensinar suas filhas a como lidar com a vida.

"Uma sinuca de bico, essa a minha ... ", ela pensava.

- Chegamos. - disse Michele.
- Che-Chegamos? Onde?

Michele entortou a boca e disse, meio rispida:

- Na festa de despedida de solteira da Sandra, onde mais?
- Ah é ... Desculpe, é que estava longe ...
- Eu percebi. Depois conversamos sobre isso, viu? Agora, o que importa é tomar todas as cervejas que pudermos, viu? - Disse Michele rindo.
- Então tá ... - soltou Ana num suspiro. - Espero que essa cerveja me dê forças para as semanas que vêm por ai ...
- Vai dar amiga. Vai dar.

2 comentários:

Nocte Cellariu disse...

Aos comentaristas de plantão ... Quem são vocês? Só vejo a identificação mas não sei quem são vocês. Se tiverem blogs, deixem-nos aqui. Assim, eu posso também visitar seus blogs.

Até!

Nocte Cellariu

Anônimo disse...

qdo meu blog estiver num "nivel" expositivo suficiente e cheio de coisas "comparavelmente" melhores que as atuais q lá estão, o link aki se colocará.... heuheuehue... mas jah te adicionei aos meus links favoritos... abraço