quarta-feira, junho 14

No elevador e depois

Continuação de Ao cair da noite.

Entro no elevador e logo aperto todos os botões. Meu andar, o 17o, ainda está longe ... Subo ao primeiro andar e ele pára. Pessoas entram. Ao verem todos os botões apertados, olham para mim, com descrédito. Será que eles pensam que sou louco?

Que pensem ... Não me importa. Na verdade, não me importa mesmo nenhum pouco. Há pessoas que me evitam. Quando me vêem, preferem pegar outro elevador. Já fiz muita coisa que gostaria de esquecer.

A cada parada do elevador os andares que se seguem me dão a impressão que vou chegando mais perto do céu. Impressão correta essa, já que subo. Mas será que existe céu? Quem foi que disse que o céu é sobre nossas cabeças? Porque é que acima é bom e abaixo é ruim? Porque não o céu do lado direito e o inferno do lado esquerdo, ou vice e versa?

Depois de uns 5 minutos dentro dessa caixinha hermeticamente selada e inebriado com o som abafado do ventilador de teto que inicia-se a cada movimento do elevador, para cima ou para baixo, acordo no meu andar.

"Décimo Sétimo Andar", a voz eletrônica do elevador anuncia. "Raios, cheguei ... Mais um dia."

O dia transcorre tranquilo, do mesmo jeito que ontem e anteontem e antes de anteontem. Como se fosse uma repetição e eu fosse apenas mais um daqueles bonecos de corda, controlados por alguém acima de mim.

Fico até pouco depois das 21:00 h. Brigo com a secretária, com meus subordinados. Quero fazer uma insurreição contra meus superiores, mas falta-me coragem. 21:34h, hora de voltar. Tal qual o horário de vinda, os 34 minutos me fascinam.

10:34h, 11:34h, 12:34h, 13:34h, 14:34h, 15:34h, 16:34h, 17:34h, 18:34h, 19:34h, 20:34h e, finalmente, 21:34h.

A cada hora, nesse mesmo horário, páro para contemplar o horizonte. Olho a vista, vejo o céu, o chão ... O encontro ao fundo de ambas as partes desse mundo, tão dicotomizado. Céu e inferno. Abaixo e acima. Bem e mal. Amor e Ódio. Capitalismo ou Comunismo.

Vejo os carros correndo abaixo, as pessoas andando em sua loucura de cada dia. Percebo aqueles que andam mais devagar, parecendo ignorar essa corrida louca por algo a mais que não apenas a mesma vidinha de sempre. Tal qual a minha vida, eu diria.

Minha vontade era de quebrar o vidro de plexiglass e me atirar no vazio. Sentir, pela última vez, a pulsação do meu corpo. Sentir, pela última vez, as lufadas de vento que serpenteiam entre esses grandes arranha-céus que aqui circundam.

Mas, como já vi em reportagens, a última coisa que eu conseguiria era quebrar esse vidro. Será mesmo?

De repente sinto uma enorme vontade de pegar minha cadeira e arremessá-la sobre o vidro. Se o fizer, terei de ter sucesso. Se conseguir, alcanço meu objetivo. Se não conseguir, então minha demissão é certa.

Não, me contenho ... Penso que o controle é a melhor coisa. Minha rotina deve ser mantida a todo custo, ainda que eu a odeie. Afinal, não é esse o objetivo das nossas patéticas vidas? Trabalhar, produzir, render dividendos para os acionistas, ganhar enormes bônus de final de ano e não ter sequer onde enfiar tanto dinheiro?

Continuo pensando ... Isso é vida? Mas não conheço outra realidade e mesmo que a vislumbrasse, teria eu coragem para mudar?

2 comentários:

Anônimo disse...

e eu jah fiz muita coisa q não lembro... e isso me faz lembrar por ironia q o céu realmente existe... porque lá em cima é q deve ser realmente bom...

Anônimo disse...

nossas patéticas vidas... até q me divirto...