segunda-feira, fevereiro 26

Janelas abertas

"Era uma pálida manhã. A luz era tênue, com jeito de dias lavados de inverno, céu sem nuvens depois de muita água...

Entrei no quarto, vassoura em punho - aquele quarto enorme, na velha casa dos meus pais, que construiram para o meu irmão, ainda uma criança balbuciante. O primeiro quarto da casa, perdido entre três variações de salas antes que chegassem os outros quartos. Quarto de homem, diziam, pra chegar em casa tarde da noite, nem acordar todo mundo.

O quarto estava lá, janelas abertas, repleto de livros velhos, papéis, prateleiras sem fim, empoeirado como se há décadas ninguém entrasse lá, a casa realmente fechada e tivessemos - eu, Suhelen e ele - chegado ali meio de passagem.

Então o vi.

Ele estava sentado em numa escrivaninha, em meio àquele reino de poeira e teias de aranha. Logo ele, com sua alergia a ácaros! Suhelen vinha atrás de mim. Fiquei ali, parada à porta reclamando sobre a poeira e todas essas coisas de um modo bem parecido com minha o que minha mãe costuma fazer com papai quando ela "briga" mas, no fundo, está se divertindo.

Ele levantou os olhos e sorriu. Estava bem mais magro do que é. Quase tanto como naquela foto adolescente que mandou-me certa vez. O cabelo começando a pratear, algo mais comprido que o costumeiro, algumas ruginhas ao redor dos olhos, fazendo-o charmoso como nunca vi antes. Os olhos se iluminavam tanto enquanto sorria!

"_Vem cá e me dá um beijo, vem?" - ele afastou um pouco a cadeira da escrivaninha e bateu de leve a mão direita na coxa, convidando-me para ir lá e sentar-me.

Eu torci a boca e fiquei batendo o pé, cara de menina macriada, contendo sorrisos.

"Não! Você sabe que é alérgico! sai por favor!"

A expressão dele era divertida. Suhelen, atrás de mim, ria a valer. Ele levantou, virou o rosto de leve, num desdém fingido e engraçado, veio até a porta, pronto para sair. Eu tentei beijá-lo e como criança brincando, ele fugia do beijo, mexendo a cabeça para os lados, rindo a valer. Daí, parei com o joguinho. E então ele me beijou. A taquicardia, a sensação estranha no ventre... Tudo, como se o beijo fosse de verdade, terno e cálido como sempre foram nossos beijos, e ainda sorrindo saiu."


Passei muito tempo com essa imagem na cabeça. Quando a sonhei? Há um ano? Algum tempo a mais? Lembrei dele hoje, no início da noite. Foi um desse sonhos que você jura terem realmente acontecido.Tanto que me perturbou bastante. E não sei por que estou chorando agora, depois detê-lo escrito...
Depois de tanta coisa...
Depois de tanto tempo...


(Eu ainda não sabia, mas ele é alérgico mesmo.)

2 comentários:

Thais L. disse...

Assim surge sem pedirmos, a lembrançae às vezes sem querermos. Mesmo nalembrança de um sonho.. Mas cada vez que vem, é sempre com um detalhe a mais, quando me ocorre.

Unknown disse...

nossa. que massa, pareceu real pra mim tambpem, o modo q vc escreveu me lembra alguém que nao lembro agora, algum autor.

^^